29 anos, estudante de Letras pela Universidade Federal do Pampa (Unipampa),com interesse especial pela área da linguística. Mande-me um email: gabrielcollares.aluno@unipampa.edu.br ou deixe um comentário no blog.
Ao procurar nomes tupi na vida real, e não nos livros, descobri muitos nomes não atestados, isto é, não documentados nas fontes antigas. O exemplo da Sambucus australis (acapora, ou sabugueiro) é um deles.
Sua origem é um provável tupi *’akapora. ‘Aka é chifre, pora é conteúdo, ou seja “conteúdo do chifre”, isto é, o sabugo. O nome alternativo da espécie no vernáculo, sabugueiro, confirma essa etimologia.
Embora não documentado em tupi antigo, o nome está presente no tupi moderno (nheengatu) akapura, com o mesmo significado.
O prato é preparado a partir de folhas de mandioca trituradas. E de fato, na língua tupi, o nome manisoba significava nada mais que “folha de mandioca”. Vejamos:
O primeiro elemento da composição é mani-. A letra “N” em tupi admitia duas pronúncias distintas: uma com N mesmo, nâ, e outra com som de ND, ‘ndâ”. Trata-se de uma pequena variação na pronúncia, sem que isso afete o significado da palavra, assim como em português temos “m[e]nino” ou “m[i]nino”, com “i”. Então, mani- podia ser também mandi-.
Esse elemento está presente em várias composições diferentes, como em mandioca, maniva, mandiba, manipueira, e, é claro, maniçoba. Não sabemos ao certo o que mani- significava isoladamente, mas ele provavelmente fazia referência à planta como um todo, ou a algum aspecto dela.
Já o “soba” vem do tupi soba, que quer dizer folha. Daí temos acariçoba, capiçoba, entre outros.
Então, pode-se dizer que maniçoba significa “folhas de mandioca”, ou, mais precisamente, “folhas de mani”, embora a gente não saiba exatamente o que mani significa isoladamente. Essas folhas contêm ácido cianídrico, uma substância altamente tóxica, que precisa ser eliminada por meio de um longo processo de cozimento para que o prato fique seguro para consumo. Agora, como descobriram isso, eu não sei.
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(A maniçoba é de origem indígena. Há relatos do século XVII que mostram que os nativos já trituravam e consumiam a maniva (as folhas de mandioca) no Nordeste, na época da colonização holandesa na região (aliás, esse relato foi feito em Historia Naturalis Brasiliae, um livro de 1948 escrito por Georg Marcgrav e editado por Guilherme Piso, um holandês). Ademais, vale lembrar que a Manihot esculenta (a mandioca, a maniva) é nativa do Brasil.)
Conforme uma lenda amazônica, Mani era uma moça que, em vida, tinha um amor não correspondido, e, de seu corpo, nasceu um pé de maniva. A raiz dessa planta, a mandioca, acabou por se tornar sua “casa”.
Essa explicação até parece fazer algum sentido. Mesmo uma pessoa leiga em tupi sabe que oka naquela língua significa “casa”. Então “mandioca” seria casa de Mani.
Ocorre que isso não procede. Se formos até o tupi antigo, falado no início da colonização, vemos que a palavra era mani’oka. Temos aqui uma pequena, mas importante diferença. O apóstrofo em ‘oka representa uma consoante que havia naquela língua, e que soava um pequeno engasgo, uma breve interrupção na pronúncia da palavra.
Então, na verdade, em mani’oka temos o verbo ‘oka, que significa arrancar, extrair da terra, em tupi antigo, e não o substantivo “casa”, pois este último não apresentava essa consoante. Portanto, a mandioca nada mais é que o mani arrancado, isto é, extraído da terra, já que o alimento é uma raiz.
É surpreendente ver que, em toda a internet e em outros meios, não existe a real origem da palavra, mas apenas uma explicação mitológica, baseada meramente em etimologia popular feita em tempos modernos.
Qual a origem de pururuca, nome de um torresmo feito com pele de porco? Este nome é bastante simples de explicar. A palavra vem do verbo tupi puruk, que significa estalar. É um verbo semelhante ao pok, de pipoca, mas o pok tem um sentido mais próximo ao de arrebentar, algo mais abrupto. Puruk é um estalar mais brando, como o barulho de algo crocante.
A forma que encontramos no nome do alimento é resultado da reduplicação desse verbo. Em tupi, um verbo reduplicado dá a ideia de uma atividade reiterada. Daí que pururuk significa “ficar estalando repetidamente”, o que coincide com as características da comida que leva esse nome. Ao final, acrescentamos o sufixo -a, para que a palavra funcione como um substantivo.
Outro exemplo dessa mesma reduplicação está no nome dado pelos antigos povos tupis a uma espécie de junco: kapi’ipururuka, isto é, capim que fica estalando, que estala repetidas vezes. Como podemos ver, é de kapi’i que vem a palavra capim, também de origem tupi.
Nos documentos antigos, encontramos ainda registros de mopuruk, fazer estalar, que nada mais é que a forma causativa do mesmo verbo. Um exemplo real de uma frase no tupi com essa palavra é:
que significa “faço minha mão estalar”, ou seja, estalo os dedos, mais precisamente o dedo médio, quando bate na base do polegar. Como podemos perceber, o verbo puruk está muito bem documentado, e, em termos semânticos, ele corresponde perfeitamente ao alimento que ele designa.
Você sabia que pitanga não é o nome completo da fruta? Esse pequeno fruto avermelhado é conhecido por seu sabor agridoce e é nativo das regiões tropicais da América do Sul. Ocorre que seu nome atual é resultado de uma simplificação. Ao consultarmos os textos lá dos séculos 16 e 17, vemos que na época a fruta se chamava ubapitanga, conforme indicam duas fontes distintas e independentes entre si.
É aqui que começa a ficar transparente a origem tupi da palavra. De ubapitanga, podemos inferir que naquela língua a fruta seria ‘ybapytanga, fruto avermelhado. Temos aqui ‘ybá, fruto, e pytanga, uma palavra que pode designar vários tons de cores diferentes, mas que aqui significa avermelhado, rosado. É desse pytanga que vem também ibirapitanga, que é como os nativos chamavam o pau-brasil, árvore usada extensivamente pelos colonizadores para fabricar um corante vermelho, cor de brasa, e que deu nome ao nosso país.
Mas enfim. Agora sim temos o nome completo do fruto da pitangueira. Ele nada mais é que um fruto avermelhado, etimologicamente. Com o tempo, o elemento inicial “ubá”, ou qualquer outra variante, caiu, e ficamos apenas com pitanga, que, a rigor, é somente o nome de uma cor.
Fontes que apresentam “ubapitanga”:
Marcgrave, Historia Naturalis Brasiliae (1648), p. 293 Brandão, Diálogo das Grandezas do Brasil (1618)
A tiquira é uma aguardente de mandioca muito comum no Maranhão. É feita a partir de beijus, que, depois de fermentados, são colocados em alambiques para o processo de destilação.
Sabemos que o nome tiquira vem do tupi tykyra. Esta palavra é composta por ty, que significa água, ou líquido, e kyr, que é um verbo que significa cair, pingar, como na frase em tupi okyr amana, que literalmente significa caiu a chuva, choveu. Essas duas palavras juntas formam o verbo tykyr, que significa, portanto, gotejar. Colocando um -a ao final, transformamos o verbo em um substantivo, com o significado literal de gotas, pingos, mas que etimologicamente significa “líquido gotejado”.
Isso está claramente relacionado ao processo de destilação da bebida, já que o álcool condensa no alambique e pinga em um recipiente. Embora existam vários registros para o verbo destilar em tupi, podemos afirmar, com certa liberdade, que uma tiquira é, basicamente, um destilado!
De onde vem a palavra PIPOCA, e o que ela significa em sua língua de origem? Sabemos que pipoca vem do tupi. Apesar de não termos registros dessa palavra na época em que o tupi era falado, é bastante claro que ela é uma composição de pira, que significa pele, ou casca, e pok, que é o verbo estourar, arrebentar. Sim, estourar em tupi é apenas pok, uma onomatopeia, como splash, ou boom em inglês.
Ao se juntarem em uma composição, o substantivo pira perde o sufixo -a, permanecendo apenas a raiz pir. Em seguida, como não pode haver encontro consonantal em tupi, o R do pir também cai. Depois, adicionamos novamente o sufixo -a, e temos pipoca, que significa literalmente pele estourada, casca estourada, já que o milho estoura ao ser aquecido.
Esse verbo pok não ocorre só em pipoca. Em muitos rios de água doce do Brasil, existe a jurupoca, espécie de peixe típica do país, cujo nome significa boca estourada, em referência à sua mandíbula projetada para frente. Ocorre também em Ibitipoca, nome de um parque em Minas Gerais, que significa montanhas estouradas, devido às várias grutas de quartzito que podem ser encontradas lá.
Por fim, o pok também está presente na palavra tupi mokaba, que nada mais é que a forma absoluta de pokaba, nome dado pelos antigos povos tupis ao arcabuz, ou ao fuzil, lá no século 16. O nome significa literalmente “instrumento de estourar”, resultado da junção do verbo pok com o sufixo -aba, sobre o qual falaremos em outra ocasião.
A Caracu é uma cerveja preta, que surgiu em 1899 na cidade de Rio Claro, São Paulo. Uma pista para a origem do nome está no próprio rótulo: o touro. Ele indica que a cerveja foi batizada em homenagem a uma das raças de gado bovino mais antigas do Brasil – o gado caracu.
Mas esse não pode ter sido esse o significado original da palavra em guarani, pois sabemos que a vaca foi trazida da Europa pelos colonizadores. Então, entre os indígenas, na época anterior à chegada dos europeus, o termo deve ter tido outro sentido.
Ao consultar um dicionário de guarani antigo, vemos que karaku era o tutano, isto é, a medula encontrada dentro dos ossos. Podemos supor então que esse nome foi dado ao boi, talvez porque a raça é de uma cor amarelada, semelhante à do tutano? Ou por que tutano dá a ideia de força, de vigor? De fato, um dos sentidos possíveis da palavra caracu em português é “grande resistência, valor ou determinação; bravura,” Talvez tenha sido essa a ideia que fez o nome passar do tutano para o boi, e do boi para a cerveja. Mas não sabemos ao certo.
Por fim, vale mencionar uma curiosidade: tanto em guarani como em tupi antigo, karaku era também um vinho de raízes. Mas o fato de ser uma bebida alcoólica, como a cerveja que leva esse nome, é mera coincidência.
A piramutaba (Brachyplatystoma vaillantii) é um peixe migratório de grande porte, nativo das bacias amazônica e do Orinoco, na América do Sul. Não encontrei nenhuma proposta de etimologia para esse nome na internet, a não ser nos sites em que eu mesmo coloquei essa informação. Proponho aqui então que o nome vem de pirá, peixe, e amotaba, que significava bigode em tupi antigo, tanto o bigode humano como o de gatos ou peixes, e outros animais. Esse amotaba, por sua vez, parece ser uma composição de aba, pêlo, e amot? mot? Enfim, não sabemos qual é o primeiro elemento da composição. O nome é pêlo de alguma coisa não identificada. Mas o certo é que amotaba significa bigode mesmo. A piramutaba é portanto um peixe de bigodes, o que coincide com a fenótipo da espécie.
(Fonte para a palavra amotaba: Vocabulário da Língua Brasílica, 1612)
A guaiuba é um peixe do Atlântico, com coloração vibrante. Dele provém o nome do município de Guaiúba, no Ceará. A etimologia mais exata que eu encontrei foi a do dicionário Houaiss, que afirma que o nome significa barriga amarela, supostamente de um goá, barriga, e iuba, amarelo. Mas não está claro como o goá significaria barriga. Proponho aqui que o nome vem de ku’a + iuba, cintura amarela, o que condiz melhor com a aparência do peixe, que apresenta cauda amarela, como podemos ver na imagem; isto é, ele é amarelo da “cintura” para baixo, por assim dizer. Ao contrário de barriga, a palavra ku’a, com o sentido de cintura está muito bem documentada.
Por fim, os significados de “por onde vêm as águas do vale”, ou “bebida da lagoa”, propostos supostamente por José de Alencar para o município de Guaíúba, carecem de fundamento.
(O epíteto específico da espécie é chrysurus, que vem do grego χρυσός (ouro) e οὐρά (cauda). O significado é o mesmo que eu proponho para o tupi, basicamente.)