Santarém, Barcelos, Portel: cidades que PERDERAM os nomes indígenas

No começo do século XX, houve um intenso movimento de tupinização de municípios Brasileiros. O país viva uma época de forte nacionalismo, e buscava-se uma identidade nacional. Nesse contexto, a antiga língua indígena do Brasil foi usada como meio para formar essa identidade. Muitos municípios tiveram seus nomes de língua portuguesa substituídos por nomes tupis. Essa tendência foi reforçada por um decreto de Getúlio Vargas que estimulava tal prática.1

Todavia, o que poucos sabem é que, séculos antes, na região Amazônica, houve um movimento inverso: ocorreu uma campanha para RETIRAR nomes indígenas (em geral tupis) e colocar nomes portugueses – mais especificamente de cidades portuguesas.

O século era o XVIII. O Brasil vivia sob domínio da metrópole, isto é, Portugal. De lá, vinham-se decretando uma série de restrições ao tupi ou, mais precisamente, à língua geral (um tupi mais modificado com o tempo). A mais notória dessas restrições foi a proibição do uso dessa língua pelo Marquês de Pombal, mas houve outras, como a obrigatoriedade do uso do português nas missões jesuíticas. Pombal acreditava que os padres da Companhia de Jesus estavam criando um poder paralelo. Acreditava também que o tupi – ou a língua geral – era um obstáculo ao domínio português na região amazônica.

Nesse contexto, em 1758, Pombal ordena que seu irmão Francisco Xavier de Mendonça Furtado, governador da Província do Grão-Pará (uma grande divisão territorial do Brasil, que na época era dividido em duas partes) – ordena que seu irmão retire os nomes de língua geral, de acordo com seu projeto político para a colônia. Xavier, então, viaja ao longo do rio Amazonas (e das baías próximas a Belém) e, no caminho, vai substituindo os nomes indígenas das aldeias (na época, eram apenas aldeias) por nomes de cidades portuguesas. Daí que todas as cidades ou distritos plotados no mapa abaixo sejam também nomes de cidades de Portugal – Óbidos, Santarém, Faro, etc.

Nomes de cidades portuguesas transplantados para o Brasil, em substituição aos antigos nomes indígenas (em geral tupis). 1- Beja (distrito); 2- Oeiras do Pará; 3- Melgaço; 4- Portel; 5- Carrazedo (distrito); 6- Veiros (distrito); 7- Sousel (distrito); 8- Almeirim; 9- Monte Alegre; 10- Alenquer; 11- Santarém; 12- Óbidos; 13- Faro; 14- Novo Airão; 15- Carvoeiro; 16- Barcelos

Na tabela abaixo, há algumas das renomeações feitas. A fonte dos dados é o IBGE. Em alguns itens, está apresentada a provável etimologia do antigo nome tupi.

Nome anterior a 1758Nome atual do município
Surubiú (de surubi + ‘y, rio dos surubis, espécie de peixe)Alenquer
Mariuá***Barcelos
NhamundáFaro
Pauxis***Óbidos
Tapajós***Santarém
ArucaráPortel
Paru (de paru, nome de um peixe)Almeirim
GurupatubaMonte Alegre
Araticu (do tupi aratiku, nome de uma árvore)Oeiras do Pará2
Aricuru (ou Guaracuru)Melgaço
MaturuPorto de Moz
SamaúmaBeja (distrito de Abaetetuba)
ArapijóCarrazedo (distrito de Gurupá)
AricaráSousel (distrito de Senador José Porfírio)
Itacuruçá (do tupi itá + kurusá, cruz de pedra)Vieiros (distrito de Porto de Moz)

Nem todos os nomes antigos eram de origem tupi. Sem dúvida, essa língua predominava na região amazônica, tendo sido trazida da costa para o interior pelos missionários e tornado-se a língua geral da área. No entanto, a Amazônia possuia – e ainda possui – uma vasta diversidade linguística. Os asteriscos (***) ao lado dos nomes indicam aqueles que possivelmente não têm origem tupi, seja devido ao nome da nação indígena que representam (como Tapajós, uma nação tapuia, não tupi-guarani) ou simplesmente por sua sonoridade.

Quanto à tabela, vale assinalar ainda que nem todas as cidades “vingaram”. Muitas das novas vilas criadas (Xavier também elevou as aldeias à condição de vila) passaram a ser, nos dias de hoje, apenas distritos de outros municípios. Cabe ressaltar ainda que, além dos exemplos listados, há ainda outras alterações, tanto em 1758 como antes, em 1756, e depois.

Em suma, o fenômeno aqui abordado diz respeito a uma onda de remoção de nomes indígenas por decisões políticas da Metrópole. Foi um fenômeno, sem dúvida, localizado, tendo ocorrido principalmente ao longo do rio Amazônas. Todavia, essa perda de nomes nativos foi sobejamente compensada pela nomeação tupi em massa no início do século XX. Este último fenômeno, aborado no primeiro parágrafo, foi abrangente, envolvendo todo o território nacional, e gerando um número bem maior de topônimos indígenas, com vistas a glorificar o passado indígena do nosso país – passado este que Pombal quis apagar e que, ainda nos dias de hoje, deve ser cuidadosamente preservado, não só para valorizar a língua falada nos primórdios do Brasil, mas tambem pela grande antiguidade da maioria desses nomes.

Notas

Fontes

GOOGLE. Google Maps. Disponível em: https://maps.google.com.br/. Acesso em: 30 nov. 2024.
IBGE CIDADES. Brasília, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em: www.cidade.ibge.gov.br.
NAVARRO, E. Os nomes indígenas na geografia brasileira e sua importância para o estudo da organização do espaço. In: Notas e resenhas, Rio Claro, 20(2): 148-155, outubro 1995.

Um comentário em “Santarém, Barcelos, Portel: cidades que PERDERAM os nomes indígenas

  1. Minha família veio de uma cidade no interior de Minas, que enquanto distrito, se chamava Calambau. Segundo um pesquisador, seria um nome usado pelos Puris- e há divergências em seu significado. “Onde o Rio faz a curva” ou “mato ralo”

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